A dança Tufo é uma expressão cultural única e profundamente enraizada no contexto muçulmano de Moçambique — especialmente no norte do país, nas províncias de Nampula e Cabo Delgado, bem como na Ilha de Moçambique e em Maputo. De origem árabe, o Tufo evoluiu ao longo dos anos para se tornar uma manifestação festiva e artística essencial em celebrações religiosas e sociais, transcorrendo barreiras de tempo e contexto para integrar-se ao imaginário cultural nacional.
1. Origens e Significado Histórico
A origem exata da dança Tufo é envolta em lendas e memória oral. Uma tradição relata que o Tufo teve início quando o profeta Maomé migrou para Medina e foi saudado por seus seguidores com canções e danças para louvar a Alá, acompanhadas por pandeiros — ritos aprovados pelo próprio profeta, que viriam a se perpetuar em cerimônias religiosas 0.
O nome “Tufo” teria se desenvolvido a partir do termo árabe “ad-duff” (pandeiro), que em português se transformou em “adufe” ou “adufo”, até chegar a “tufo” 1. A dança provavelmente chegou a Moçambique nos anos 1932-1933, trazida por um comerciante originário de Kilwa chamado Iúçufe 2.
Embora inicialmente vinculada a contextos muçulmanos, a dança foi profundamente influenciada pela cultura matrilinear dos macuas, englobando uma ampla aceitação dentro da sociedade local. Tempos depois, o Tufo passou a ser interpretado não apenas em festividades religiosas, mas também como expressão social e política 3.
2. Áreas Geográficas e Comunidades Envolvidas
Atualmente, o Tufo é praticado em várias regiões de Moçambique, com destaque para:
- Mapa de presença nas províncias de Cabo Delgado e Nampula, no norte do país;
- Ilha de Moçambique, um ponto histórico de encontro cultural;
- Maputo, onde migrantes levaram a tradição para o sul do país 4.
3. Estrutura e Participantes da Apresentação
Grupos de dança Tufo geralmente são compostos por cerca de 15 a 20 mulheres, que dançam acompanhadas por quatro músicos que tocam pandeiretas — instrumentos planas semelhantes a tambores 5. Apesar de, historicamente, o Tufo ter sido executado por homens e mulheres separadamente, hoje em dia a participação masculina é rara e, quando ocorre, geralmente se dá em ocasiões especiais 6.
4. Musicalidade e Letras
As canções que acompanham o Tufo são transmitidas oralmente — compostas muitas vezes por membros do grupo ou por um “poeta” associado ao grupo. São cantadas principalmente em língua Emakhuwa, mas também podem aparecer em árabe ou português 7.
5. Movimentos e Coreografia
Tradicionalmente, as dançarinas realizam o Tufo ajoelhadas, movendo apenas a parte superior dos corpos de forma rítmica e controlada. Essa característica estilística confere à dança uma cadência introspectiva e reverente 8.
No entanto, há evoluções nessa coreografia. Versões contemporâneas já permitem que as dançarinas fiquem de pé e movimentem todo o corpo, incorporando variações que refletem tendências modernas, mantendo ainda, porém, a essência original 9.
6. Trajes e Adornos
Um traço visual marcante nas apresentações de Tufo é o uso de capulanas — peças de tecido estampado e colorido que as dançarinas combinam com lenços no topo da cabeça. As roupas são harmonizadas entre todas as participantes, e cada nova dança exige uma nova capulana 10.
Além disso, as mulheres aplicam mussiro — um tipo de creme facial tradicional usado pelas macuas, que serve como identificação com a ancestralidade e a terra de origem. O uso de acessórios como brincos, colares, pulseiras e outros adornos compõe o visual festivo e simbólico 11.
7. Papel Social, Identitário e Político
O Tufo vai além da dança e torna-se voz coletiva — ao transmitir canções com temáticas religiosas, sociais ou políticas, a tradição se transforma num meio de expressão e contestação 12.
Grupos de Tufo como o de Mafalala, em Maputo, liderados por figuras como Zaquia Rachid ou Momade Matano Saide, representam essa identidade que conflui entre espiritualidade e comunidade. Para muitos, o Tufo é uma forma de “terapia cultural”: “Quando danço, todas as preocupações desaparecem e retorno a ser feliz” 13.
8. Desafios e Reconhecimento
Apesar da importância cultural, os grupos de Tufo enfrentam dificuldades cotidianas: manutenção de instrumentos, obtenção de água nos ensaios e acesso limitado a financiamento e apoio oficial 14.
Há esforços para elevar o Tufo a Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade junto à UNESCO — o governo moçambicano já iniciou etapas de inventário cultural e solicitação de suporte técnico, especialmente para Tufo, Mapiko e Xigubo — embora o processo ainda esteja em andamento 15.
9. Tufo na Cultura Visual e Audiovisual
O Tufo já foi tema de documentários, matérias culturais e produções audiovisuais — incluindo vídeos e reportagens que mostram as coreografias, os figurinos e os bastidores dos grupos. Essas produções ajudam a divulgar a dança para o resto do país e para o mundo 16.
10. Reflexão Final
Tufo é, antes de tudo, uma dança que canta e reza, celebra e crítica, preserva memória e se reinventa. Ela traduz em movimento a força das mulheres, a riqueza identitária dos macuas, o sincretismo religioso, a criatividade social e a resistência cultural moçambicana.
Buscar seu reconhecimento junto à UNESCO é uma forma de garantir que Tufo continue a ser praticado, transmitido e valorizado — condição fundamental para que tradições vivas não se percam no tempo.
Referência adicional
Para quem se interessar também pela Marrabenta, outra expressão cultural importante de Moçambique, veja este link informativo: Marrabenta: a dança e música que simbolizam Moçambique.